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Efeitos atribuídos ao CEBAS e seus reflexos para as Organizações Filantrópicas

O Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social – CEBAS, é objeto de desejo de grande parte das organizações brasileiras que desenvolvem projetos na área da saúde, educação e assistência social.


Os reflexos do CEBAS a partir de sua concessão são bastante conhecidos para as organizações, em especial, a possibilidade de usufruir da imunidade em relação às contribuições para a seguridade social prevista no art. 195, § 7º da Constituição Federal de 1988. No entanto, talvez a maioria das organizações não saibam que os Tribunais têm reconhecido que o CEBAS também gera efeitos retroativos.


O objetivo do presente artigo é discorrer sobre os efeitos do CEBAS e verificarmos quais são os reflexos sobre as organizações certificadas.

O CEBAS

O CEBAS é uma certificação cuja concessão e renovação é prevista na Lei 12.101/09. A decisão pela sua concessão ou renovação constitui-se em ato administrativo a ser deliberado pelo Ministério da Saúde, Ministério do Desenvolvimento Social ou Ministério da Educação, conforme área preponderante da organização que o pleitear.


Para cada área existem exigências específicas para que o CEBAS seja concedido ou renovado, sendo que, as principais são:

  • Saúde: ofertar e prestar mais de 60% dos atendimentos através do Sistema Único de Saúde;

  • Educação: ofertar bolsas integrais ou parciais, sendo que, se integrais deverão ser na proporção de 1 em cada 5 e, se parciais, deverão ser 1 em cada 9;

  • Assistência Social: ofertar serviços totalmente gratuitos e ter a organização cadastrada nos Conselhos Municipais e/ou Estaduais de Assistência Social.

Entre os principais benefícios do CEBAS estão:

  • Imunidade Tributária: Contribuição Previdenciária Patronal, COFINS, PIS, Imposto de Importação (segundo interpretação da Receita Federal);

  • Parcelamento de dívidas de tributos federais;

  • Entidades assistenciais: prioridade na celebração de termos com o Poder Público.

Dos efeitos atribuídos ao CEBAS

Na Administração pública brasileira, um ato administrativo é o ato jurídico que concretiza o exercício da função administrativa do Estado. A doutrina é farta em relação ao estabelecimento do conceito de ato administrativo.


Segundo José dos Santos Carvalho Filho (2012, p. 99), o ato administrativo é a exteriorização da vontade de agentes da Administração Pública ou de seus delegatários que, sob regime de direito público, visa à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao interesse público.


Já para Hely Lopes Meirelles (2011, p. 154), "o ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos seus administrados ou a si própria."


Celso Antônio Bandeira de Mello (2000, p. 329, 330), conceitua que o ato administrativo é a "declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes - como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, sujeitas a controle de legitimidade por órgão judicial."


Estabelecido o conceito, fica claro que a deliberação pela concessão ou renovação do CEBAS é ato administrativo, pois exterioriza e declara a vontade de agentes da administração pública. O ilustre doutrinador Hely Lopes Meirelles leciona o seguinte acerca da classificação dos atos administrativos segundo os seus efeitos:

Ato constitutivo: é o que cria uma nova situação jurídica individual para seus destinatários, em relação à Administração. [...] Ato extintivo ou descontitutivo: é o que põe termo a situações jurídicas individuais. [...] Ato declaratório: é o que visa a preservar direitos, reconhecer situações preexistentes ou, mesmo, possibilitar seu exercício. [...] Ato alienativo: é o que opera a transferência de bens ou direitos de um titular a outro. [...] Ato modificativo: é o que tem por fim alterar situações preexistentes, sem suprimir direitos ou obrigações, como ocorre com aqueles que alteram horários, percursos, locais de reunião e outras situações anteriores estabelecidas pela Administração. Ato abdicativo: é aquele pelo qual o titular abre mão de um direito (Meirelles et al, 2012, p. 181).

No que se refere ao objeto do presente artigo, há no meio jurídico discussão em relação ao efeito atribuído ao CEBAS: seria ele declaratório ou constitutivo?

Tal discussão tem importância fundamental, pois de sua conclusão resultam dois sentidos diametralmente opostos. Se a conclusão for no sentido de que o CEBAS tem efeito constitutivo, os seus reflexos seriam irradiados a partir da data da publicação da portaria que o concedeu, ou seja, atesta-se que a o direito à isenção do pagamento das contribuições previdenciárias patronais foi constituído a partir da já citada publicação.


Desta forma, teríamos a atribuição de um efeito ex nunc, que em tradução literal do latim para o português seria “a partir deste momento", "de agora em diante", "deste momento em diante", conforme definem Fulgêncio (2007) e Lima (2005).


Por outro lado, se o entendimento for de que o efeito seria declaratório, os seus reflexos retroagiriam no tempo, da data do requerimento para concessão do CEBAS até o momento em que houve a constituição do direito da organização, ou seja, a data em que esta passou a cumprir todos os requisitos exigidos no ordenamento jurídico para a concessão do certificado. Diante desta conclusão, a atribuição dos efeitos seria ex tunc, isto é, “desde o início", "desde então", "daquele momento em diante", citando novamente Fulgêncio (2007) e Lima (2005).


A jurisprudência emanada dos tribunais pátrios tem sido assente no sentido de que o efeito atribuído ao CEBAS é meramente declaratório, ou seja, atesta situação preexistente de que ao conceder o certificado, o Poder Público simplesmente verifica que, durante determinado lapso temporal, a organização certificada cumpriu os requisitos constantes na Lei 12.101/09. É o que comprovam alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça que colacionamos abaixo:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. IMUNIDADE. CERTIFICADO. ENTIDADE FILANTRÓPICA. ATO DECLARATÓRIO. EFEITOS EX TUNC. 1. Está assentada na jurisprudência desta Corte a tese é de que o certificado que reconhece a entidade como sendo de natureza filantrópica produz efeitos retroativos (eficácia ex tunc), por se tratar de ato declaratório. 2. Precedentes: AgRg no REsp 752.101/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 14.4.2008; AgRg no REsp 756.684/RS, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, DJ 2.8.2007; REsp 478.239/RS, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJ 28.11.2005; AgRg no REsp 579.549/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado DJ 30.9.2004; AgRg no REsp 382.136/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 3.5.2004; e AgRg no Ag 432.286/RS, Rel. Min. Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ 29.9.2003.


TRIBUTÁRIO. ENTIDADE FILANTRÓPICA. IMUNIDADE. CERTIFICADO. NATUREZA DECLARATÓRIA DO ATO. EFEITOS EX TUNC. CRÉDITOS PRETÉRITOS. INEXIGIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. 1. O STJ consolidou seu entendimento no sentido de que o certificado que reconhece a entidade como filantrópica, de utilidade pública, tem efeito ex tunc, por se tratar de ato declaratório, consoante orientação consagrada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário n. 115.510/RJ. 2. O ato declaratório da concessão de isenção tem efeito retroativo à data em que a pessoa reunia os pressupostos legais para o reconhecimento dessa qualidade. 3. A alegação de que o contribuinte não preenche os requisitos à concessão da isenção reveste-se de inovação recursal, bem como destoa-se de toda a lógica firmada no processo, que se funda exatamente no efeito - ex tunc ou ex nunc - em que deve ser acolhido o reconhecimento pela Administração Pública ao preenchimento dos requisitos para o gozo de benefício tributário. Portanto, o preenchimento dos requisitos foi reconhecido pela Administração Pública. Outrossim, o acolhimento da referida tese, em detrimento do que concluiu a Corte de origem, encontra óbice na Súmula 7 do STJ. Agravo regimental improvido.


Mas aí fica a pergunta: até em que momento o efeito ex tunc atribuído ao CEBAS retroagiria? O entendimento advém da própria Lei 12.101/09, que em seu art. 3º dispõe que:

Art. 3o A certificação ou sua renovação será concedida à entidade beneficente que demonstre, no exercício fiscal anterior ao do requerimento, observado o período mínimo de 12 (doze) meses de constituição da entidade, o cumprimento do disposto nas Seções I, II, III e IV deste Capítulo, de acordo com as respectivas áreas de atuação, e cumpra, cumulativamente, os seguintes requisitos (...)

Desta forma, em tese, os efeitos do CEBAS, após concedido, retroagiriam até o primeiro dia do exercício anterior ao requerimento e, evidentemente, as organizações certificadas têm direito a reaver os valores pagos a título de contribuições para a seguridade social (PIS, COFINS e Contribuição Previdenciária Patronal), devidamente corrigidos.


Tal direito de restituição só pode ser pleiteado judicialmente, sendo importante que a organização observe o prazo prescricional quinquenal que já foi consagrado pelo Supremo Tribunal Federal, ou seja, só podem ser restituídos os valores pagos indevidamente nos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação.

Conclusão

A conclusão que extraímos do presente estudo é que o CEBAS tem efeito declaratório e, por isso, ex tunc, retroagindo no tempo até o momento de constituição do direito da organização, ou seja, a partir da data em que esta comprove que passou a atender todos os requisitos exigidos pela Lei 12.101/09.


Sendo o efeito retroativo, a organização certificada pode requerer judicialmente a devolução dos valores pagos a título de contribuições para a seguridade social (PIS, COFINS, contribuição previdenciária patronal e RAT) desde o primeiro dia do ano imediatamente anterior à apresentação do requerimento do CEBAS, observando-se o prazo prescricional quinquenal, isto é, até cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação.

Referências Bibliográficas


FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2012.

FULGENCIO, Paulo Cesar. Glossario Vade Mecum: administração pública, ciências contábeis, direito, economia, meio ambiente: 14.000 termos e definições. Rio de Janeiro: Mauad, 2007.

LIMA, A. Oliveira. Manual de Redação Oficial: teoria, modelos e exercícios. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.

MEIRELLES, Hely Lopes, Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.

MEIRELLES, Hely Lopes; ALEIXO, Décio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2000.

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Gustavo Franco Gois é graduado em Direito pela Universidade Estadual de Maringá, advogado inscrito na OAB/PR., com MBA – Executivo pela UniCesumar e especialização em Direito Tributário pelo IDAP (extensão PUC/SP). Já atuou na gestão de organizações do terceiro setor e de institutos ligados a empresas de médio e grande porte. Atualmente é Advogado atuante na área do Direito do Terceiro Setor e Direito Empresarial, atuando na área de consultoria em implantação de modelos de gestão empresarial nas organizações do Terceiro Setor e desenvolvimento jurídico e organizacional de projetos de sustentabilidade corporativa, com clientes como Bourbon Hotéis & Resorts, ESPM – Escola Superior de Propaganda e Marketing, Hospital Albert Einstein, Morena Rosa Group, Purific, Cocamar, Fortlev, Child Fund, entre outros. Atualmente é assessor jurídico da RENAS – Rede Evangélica Nacional de Ação Social, da Aliança Evangélica Brasileira e Membro da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB/PR


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