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AGRICULTURA X MEIO AMBIENTE?

No dia 28 de outubro de 2018, o país elegeu, para ocupar o posto de Presidente da República Federativa do Brasil, o deputado federal Jair Messias Bolsonaro. Como já havia afirmado em campanha, o presidente eleito anunciou, na semana seguinte à sua eleição, a pretensão de fusão do Ministério da Agricultura com o Ministério do Meio Ambiente, como parte de seu projeto de redução no número de ministérios bem como contenção de gastos da máquina pública, dentre outras justificativas.


Por sua vez, tal anúncio gerou grande repercussão por parte dos eleitores e dos atuais Ministros, Blairo Maggi, da Agricultura, e Edson Duarte, do Meio Ambiente, por isto, a decisão pela fusão ministerial aparentemente está sendo descartada pelo futuro presidente.


O grande temor com a possibilidade da fusão dos referidos ministérios se dá por conta de possível sobreposição dos interesses do setor do Agronegócio, denominado no parlamento, de bancada ruralista, sobre as questões concernentes ao Meio Ambiente.


A preocupação é legítima e nos leva às seguintes indagações: a) Agendas de desenvolvimento econômico e proteção ao meio ambiente são inconciliáveis? b) Manter dois ministérios significaria, de fato, impedimento a eventuais desequilíbrios na balança da sustentabilidade? c) As preocupações ambientais se restringem às questões diretamente ligadas à agricultura, como desmatamento e utilização excessiva de defensivos químicos?


O problema de conciliar desenvolvimento econômico e meio ambiente não é novidade, e, inclusive, já foi tema de documento da ONU, publicado em 1987, chamado Relatório de Brundtland, que tratou do desenvolvimento sustentável nos seguintes termos:

A administração do meio ambiente e a manutenção do desenvolvimento impõem sérios problemas para todos os países. Meio ambiente e desenvolvimento não constituem desafios separados; estão inevitavelmente interligados. O desenvolvimento não se mantém se a base de recursos ambientais se deteriora; o meio ambiente não pode ser protegido se o crescimento não leva em conta as consequências da destruição ambiental. Esses problemas não podem ser tratados separadamente por instituições e políticas fragmentadas. Eles fazem parte de um sistema complexo de causa e efeito (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1991, p. 40, grifos nossos)


No caput do art. 225, da Constituição Federal de 1988, encontra-se consubstanciado o Princípio do desenvolvimento sustentável, o qual também foi implicitamente abordado no art. 170, que, ao tratar da ordem econômica nacional, elenca, como um de seus princípios, a defesa do meio ambiente, conforme segue:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação (BRASIL, 1988, grifos nossos).

Como podemos aferir, nossa Constituição tem, por princípio, o desenvolvimento sustentável da nação, de forma que o anseio pelo desenvolvimento econômico não pode ignorar as questões ambientais, assim como o interesse em recuperar e preservar o meio ambiente não pode ser obstáculo desmedido ao desenvolvimento econômico da nação, considerando-se que a pobreza é um agente de degradação ambiental (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1972).


O Princípio do desenvolvimento sustentável pode ser conceituado como determinação à busca de equilíbrio entre desenvolvimento socioeconômico e o não esgotamento dos recursos naturais, em benefício das presentes e futuras gerações. Trata-se de respeitar a capacidade de suporte dos ecossistemas, na busca de melhorias à qualidade de vida (SIRVINSKAS, 2014, p. 142-143).


Nesse sentido, a fusão ministerial inicialmente proposta pelo novo presidente, por si só, não significaria um retrocesso às questões ambientais. Na verdade, tudo depende do projeto de desenvolvimento que, de fato, será adotado, já que, mesmo no cenário de dois ministérios distintos, ambos estariam sujeitos ao mesmo projeto de governo.


Uma questão preocupante da pretensa fusão dos ministérios da agricultura e meio ambiente se dá pelo fato de que as matérias ambientais não tocam apenas as pautas do agronegócio, mas os mais diversos setores da economia e da vida cotidiana dos cidadãos brasileiros. Assim, a fusão, na forma com que foi apresentada inicialmente, mesmo que não seja levada adiante, demonstra uma percepção rasa do que é meio ambiente.


Seguindo uma tendência mundial, a Constituição Federal de 1988 considerou o meio ambiente um bem jurídico autônomo, colocando-o na categoria de valor ideal da ordem social, conforme consta no art. 225 da Carta Magna (FURLAN, 2010, p. 96).


Comumente, o termo “meio ambiente” é utilizado pelos meios de comunicação e pela população em geral como sinônimo de Recursos Naturais (mares, florestas, rios etc.). Todavia, tal compreensão não exaure o real sentido de meio ambiente.


A Lei nº 6.938/1981, de Política Nacional de Meio Ambiente (BRASIL, 1981), apresenta um conceito que engloba qualquer tipo de vida, elementos não vivos, assim como espaços artificiais, ou seja, os criados pela ação do homem (WANDER, 2008, p. 15-19).


Diz o texto da referida lei: “Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (BRASIL, 1981).


José Afonso da Silva amplia o conceito trazido pela Lei nº 6.938/1981 e observa a necessidade de analisa-lo em três aspectos:

I – meio ambiente artificial, constituído pelo espaço urbano construído, consubstanciado no conjunto de edificações (espaço urbano fechado) e dos equipamentos públicos (ruas, praças, áreas verdes, espaços livres em geral: espaço urbano aberto);

II – meio ambiente cultural, integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que, embora artificial, em regra, como obra do homem, diferente do anterior (que também é cultural) pelo sentido de valor especial que adquiriu ou de que se impregnou;

III – meio ambiente natural, ou físico, constituído pelo solo, a água, o ar atmosférico, a flora, enfim, pela interação de seres vivos e seu meio, onde se dá a correção recíproca entre as espécies e as relações destas com o ambiente físico que ocupam (SILVA, 2013, p. 21).

O termo “meio ambiente” deve ser interpretado em sentido amplo, considerando toda a sua complexidade e relevância para a devida proteção deste bem jurídico, para além da pretensa fusão ministerial.


As pressões advindas de setores da economia, como a chamada bancada ruralista, são recorrentes e independem de quem esteja no controle da nação, cabendo a cada cidadão cobrar medidas governamentais que garantam a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.


Interessa ao povo brasileiro o desenvolvimento sustentável da nação, a partir de um crescimento econômico que considere a escassez dos recursos naturais e sua real capacidade de recomposição, para que presentes e futuras gerações possam usufruir da exuberante natureza do nosso país. Afinal, não é desejável um cenário de conflito entre setores econômicos e ambientais. Precisamos de consenso e equilíbrio.


¬¬¬¬¬Daniel Falcioni Malvezzi. Advogado inscrito na OAB/PR sob nº 65.696. Sócio da Justus Paiva Preis Advocacia Empresarial e Tributária. Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Maringá – UEM. Especializado em Direito Ambiental pela UFPR - Universidade Federal do Paraná.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.

______. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm>. Acesso em: 07 nov. 2018.

COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso Futuro Comum. 2. Ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1991. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4245128/mod_resource/content/3/Nosso%20Futuro%20Comum.pdf>. Acesso em: 07 nov. 2018.

FURLAN, Melissa. Mudanças climáticas e valoração econômica da preservação ambiental: o pagamento por serviços ambientais e o princípio do protetor-recebedor. Curitiba: Juruá, 2010.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Estocolmo, 1972. Disponível em: <https:// www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/estocolmo.doc>. Acesso em: 07 nov. 2017.

SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 10. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013.

SIRVINSKAS, Luíz Paulo. Manual de direito ambiental. 12. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

WANDER, Garcia. Direito Ambiental. São Paulo: Premier Máxima, 2008.


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