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O PROBLEMA DA (FALSA) HIERARQUIA ENTRE LEIS COMPLEMENTARES E ORDINÁRIAS

Se a lei ordinária é aprovada por maioria simples (metade mais um dos presentes) e a lei complementar é aprovada por maioria absoluta (metade mais um de toda a casa legislativa), a lei complementar será hierarquicamente superior em caso de conflitos, e seu conteúdo jamais será revogado por uma lei ordinária, certo? Errado.


Eis aí uma suposição simplória e falaciosa, porque parte da premissa equivocada de que esta seria a única qualidade que difere ambos os veículos introdutores de normas.

A Constituição Federal determina, em dezenas de matérias que entendeu delicadas, que sua regulamentação seja por procedimento mais rígido, cujo quórum seja superior e que, portanto, exija maiores discussões e cautela. Às demais matérias, concedeu sua regulamentação por lei ordinária, por entender que não deveriam ter grande rigidez.


Evidente, portanto, a existência de outra diferença às leis ordinárias e complementares: a matéria de que tratam.


Sendo assim, lei complementar será aquela aprovada por quórum qualificado (requisito formal) e que dispõe sobre tema indicado pela Constituição Federal como passível de regulamentação complementar (requisito material). Lei ordinária será aquela de quórum simples (requisito formal), cujo tema a Constituição não pretendeu conferir rigidez, não destacando o tema ao procedimento complexo (requisito material).


Devidamente instruídos, ao caso-problema: o que acontece se matéria pertinente à lei ordinária for regulamentada mediante lei complementar? E se houver consenso superior à maioria absoluta sobre a legislação sob votação, de forma que a matéria, onde não houve exigência temática de aprovação sob lei complementar, acabar o sendo, formalmente?

Por exemplo, se na regulamentação das limitações ao poder de tributar (imunidades, art. 146, II, CF/88), de obrigatória inserção por lei complementar, forem inseridas normas processuais, matéria de regulamentação ordinária? É o caso do Município de Maringá/PR, que regulamenta o processo administrativo fiscal (tema de lei ordinária) dentro do Código Tributário Municipal (lei complementar).


Poderia, neste caso, uma nova lei ordinária revogar dispositivos processuais previstos em lei complementar? Sim. Isso porque, embora seja formalmente complementar, a matéria não demanda o respectivo procedimento. Ora, se a Constituição Federal não quis conferir rigidez à matéria, e é a Carta Magna que investe autoridade aos legisladores eleitos, não podem estes usurpar a autoridade da Suprema Lei e alterar seu conteúdo - ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit – ‘quando a lei quis falar, falou; quando não quis, calou’.


Fica evidente, portanto, que não há hierarquia entre a lei ordinária e a lei complementar, mas sim delegações de competência diferentes. Se a lei complementar invade competência da lei ordinária, será meramente complementar do ponto de vista formal, mas materialmente ordinária.


Invadindo competência alheia, a norma é válida? É claro que sim, pois foi aprovada mediante quórum superior do que o necessário. Contudo, mera lei ordinária será suficiente a revogá-la, segundo o critério temporal, em momento posterior.


E o contrário, é possível? Lei ordinária dispondo sobre tema complementar? De maneira nenhuma, pois lhe falta quórum necessário. Nem por isso, há que se falar em hierarquia, mas especificidade, delegação de competência.


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