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A Resolução do CFM nº 2.232/2019 e o direito à recusa terapêutica do paciente

O dilema envolvendo as testemunhas de Jeová e a transfusão de sangue


Grande parte dos profissionais da saúde ficam apavorados e sem saber o que fazer quando o paciente manifesta sua recusa em receber determinado tratamento, como nos casos de transfusão de sangue nas testemunhas de Jeová.

Recentemente, o Conselho Federal de Medicina editou a Resolução nº 2.232/2019, que estabelece normas éticas para a recusa terapêutica por pacientes e objeção de consciência na relação médico-paciente.

O artigo 1º da referida Resolução dita que a recusa terapêutica é “um direito do paciente a ser respeitado pelo médico, desde que esse o informe dos riscos e das consequências previsíveis de sua decisão”.

Em uma leitura conjunta dos artigos 2º, 3º e 11 da Resolução, infere-se que o médico deve respeitar a recusa terapêutica de paciente maior de idade, capaz, lúcido, orientado e consciente, no caso de tratamento eletivo. Em contrapartida, em situações de urgência e emergência que caracterizem risco de morte, o profissional da saúde deve adotar todas as medidas necessárias para preservar a vida do paciente, independentemente da recusa terapêutica. O médico também não deve aceitar a recusa terapêutica no caso de paciente menor de idade ou de adulto que não esteja no pleno uso de suas faculdades mentais, em situações de risco relevante à saúde.[1]

Ademais, não prevalecerá a recusa terapêutica quando houver abuso de direito, que se caracteriza nos casos em que a recusa ao tratamento pode colocar em risco a saúde de terceiros ou expor a população a risco de contaminação (art. 5º, caput e §1º).

Em síntese, de acordo com a Resolução do CFM, a recusa terapêutica, apesar de ser considerada um direito do paciente, fica limitada aos casos de tratamento eletivo de paciente maior de idade e capaz, quando ausente o risco de vida para o doente.

Contudo, apesar de vigente, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ajuizou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 642) no Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a Resolução nº 2.232/2019 do CFM, sob a justificativa de que “da forma como redigida, a norma permite a imposição de tratamento forçado aos pacientes, com especial impacto sobre grupos populacionais vulneráveis, como crianças, adolescentes, pessoas com deficiência e em sofrimento mental e idosos.”[2]

O partido defende que, ainda que presente o risco iminente de morte, a decisão do paciente sobre recusa terapêutica deve ser soberana, caso esteja em condições de expressar sua vontade, em atendimento a direitos fundamentais como dignidade, autonomia, integridade física e psíquica e vedação a tratamento forçado.[3]

Recentemente, em 26/02/2021, o Procurador-Geral da República, Antônio Augusto Brandão de Arras, emitiu parecer (PARECER ASSAP-AJCONST/PGR Nº 56239/2021), na ADPF nº 618/DF, também no sentido de que a realização de transfusão de sangue contra a vontade dos pacientes maiores e capazes viola a Constituição Federal e os direitos fundamentais do indivíduo. O direito de escolha ao tratamento médico pelo paciente deve ser respeitado, como forma de garantir sua autonomia e liberdade individual. Assim sendo, “somente quando não for possível obter o consentimento informado ou quando não existir documento de declaração antecipada de vontade, o médico poderá adotar todos os tratamentos de que dispuser e que entender melhores para o paciente.”

Diante desse dilema ético e jurídico, você, médico, sabe como se prevenir de demandas judiciais ou processos éticos envolvendo casos de recusa terapêutica do paciente?

Quando se deparar com uma situação similar, primeiramente analise todas as alternativas à transfusão disponíveis.[4] O médico possui o dever de permanecer atualizado, aprimorando continuamente seus conhecimentos e utilizando o melhor do progresso científico em benefício do paciente e da sociedade, de acordo com o inciso V do Capítulo I (Princípios fundamentais) do Código de Ética Médica. Assim sendo, consoante a Recomendação do CFM n. 01/2016, “a conduta do médico já não pode limitar-se à constatação de risco de morte para transfundir sangue compulsoriamente, mas precisa levar em consideração as recentes alternativas disponíveis de tratamento ou a possibilidade de transferência para equipes com profissionais treinados em tratamentos através de substitutos do sangue.”

Além disso, esclareça o paciente sobre todos os riscos, benefícios e alternativas disponíveis ao tratamento proposto, obtendo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido do paciente (TCLE).[5] Nos casos de urgência e emergência, sempre que possível, verifique se o paciente já se manifestou anteriormente sobre a sua recusa à transfusão de sangue, por meio das diretrizes antecipadas de vontade, caso em que deve ser observada a decisão do paciente. Quando se tratar de paciente incapaz, havendo risco de morte iminente, o médico deve salvaguardar a vida do menor, adotando todos os meios indispensáveis para evitar a morte do doente, independentemente da convicção religiosa seguida por seus responsáveis.

Por fim, apesar de não haver ainda uma decisão final pelo Supremo Tribunal Federal acerca do dilema envolvendo a recusa terapêutica por pacientes testemunhas de Jeová, a tendência é que prevaleça a autonomia da vontade do paciente, impedindo a intervenção não consentida, ainda que haja risco de morte.

[1] O art. 4º da Resolução nº 2.232/2019 dispõe que “quando houver discordância insuperável entre o médico e o representante legal, assistente legal ou familiares do paciente menor ou incapaz quanto à terapêutica proposta, o médico deve comunicar o fato às autoridades competentes (Ministério Público, Polícia, Conselho Tutelas etc.), visando o melhor interesse do paciente”. [2] Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=434205&ori=1. Acesso em: 28/04/2021. [3] Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=434205&ori=1. Acesso em: 28/04/2021. [4] Leandro S. Valadares. A questão jurídica no atendimento médico de pacientes Testemunhas de Jeová. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-jun-10/opiniao-questao-juridica-atendimento-testemunhas-jeova. Acesso em: 28/04/2021. [5] Leandro S. Valadares. A questão jurídica no atendimento médico de pacientes Testemunhas de Jeová. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-jun-10/opiniao-questao-juridica-atendimento-testemunhas-jeova. Acesso em: 28/04/2021.

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